quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mesa de bar confidente

Três homens, todos com mais de 60 anos, se reúnem quinzenalmente num bar do Tirol. Sentam-se em volta da mesa reservada para eles e são atendidos pelo dono do bar. Pelo que bebem, pelas viagens que narram, devem ter boas aposentadorias, mas não são ricos. Ricas são as aventuras que eles contam, bebendo calmamente suas doses de Old Parr, fingindo que não vêem as pessoas em volta. Um deles contou que, aos 59 anos, se apaixonou por uma menina 30 anos mais jovem do que ele. "Foi uma das mulheres mais sensuais e maravilhosas que conheci" - sussurrou. Seus olhos ficaram úmidos e ele pigarreou forte. E disse que a menina, bela e aventureira, havia passado uma temporada em Portugal e de lá guardara expressões que o levavam a surtos de ternura. Por exemplo: "Vem, fica-te ao pé de mim." Quando ele chegava pertinho dela, a menina o beijava muito, muito, e recitava de cor sonetos de Florbela Espanca. O apaixonado, que nunca fora um leitor de poesia, passou a ler todos os poetas ao seu alcance, para agradar a sua amada. O amor floresceu como lírios azuis, a ternura teceu todas as suas tramas com as cores do arco-íris, a vida pulsva no seu coração com a força de um exército em marcha. Numa noite de 13 de agosto, a menina veio ao seu encontro, no lugar de sempre, e disse, quase sem voz, com lágrimas turvando os seus olhos e a sua alma: "Eu sou noiva de um mineiro, vamos casar e morar no interior de Minas. Te amo muito, muito, não cante o coração com mais verdade, como disse o poeta. Mas vou-me embora." E nunca mais deu notícias. O boêmio, enxugando as lágrimas, concluiu dizendo aos amigos de copo, testemunhas de sua dor, que naquele 13 de agosto descobriu que não tinha vocação para suicida. ...
(Texto de Nei Leandro de Castro, ilustração de Di Cavalcanti)

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