terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A velhice de Eros

O velho Eros está muito cansado,
até mesmo dos versos decassílabos.
Inclusive a palavra inclusive
tão mal-usada dói-lhe nos testículos.
**
Nos sonetos, com rima ou sem rima,
torra-lhe o saco - enorme - o enjambement,
uma invenção, acha ele, de poetinha
embolado e seboso. Poetastro
**
O velho fauno já tem cinquenta anos,
quinhentos, cinco mil, perdeu a conta,
perdeu toda a memória mitológica.
**
Mas guarda, essa figura de Aretino,
a memória feliz de suas fodas
e a soma dos pentelhos das amantes.
(Poema de Nei Leandro de Castro in Era uma vez Eros, ilustração Fauno de Barberini)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Poema


De tuas palavras
nasceram abismos.
A estrela do meu sonho indivisível
veio de espaços
e rolou por vertentes do obscuro.
Da terra que tornaste túmulo
surgiram flores amarelas
com raízes de luzes milenárias.
(Poema de Nei Leandro de Castro in O Pastor e a Flauta, quadro de Monet)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Soneto

Quando chegar setembro, tu serás
rainha de palácios desfolhados;
te vestirás de flores e de espelhos
e eu serei teu amante, primavera
**
que nunca vi, mas que percebo nas
tristezas dos invernos desolados:
que os invernos só têm razão de sê-los
para que exista o poeta à tua espera.
**
Te buscarei na floração do amor
(que repousa na seiva e nas sementes).
Então me sentarás, rei, sobre o trono
**
de rosas de verão. Morrerás entre
os meus braços, de súbito, sem cor.
 - Morrendo eu te direi versos de outono.
(Poema de Nei Leandro de Castro in O Pastor e a Flauta, foto de Sandra Porteous)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Poema do negro africano

Talvez fosse dia e gaivotas cegas
de azul pousassem na manhã,
mas a noite dormia no leito
onde chorei o meu primeiro canto.
Cantei por senzalas indormidas
- com voz igual a que nunca ouvi -
uma canção longínqua de procura
e os meus braços se alongaram para o eito.
Mas pelo mundo fiz-me herói involuntário:
todo o meu pranto milenar de angústia
desce invisível e se transforma em canto.
Uma estranha senhora cor da noite
teceu em meu peito uma harpa
da cor da lua incendiando o Nilo.
(Poema de Nei Leandro de Castro in O Pastor e a Flauta, foto de Mário Meir)