quinta-feira, 22 de março de 2012

Exercício

Posto que o amor é fruto, e não semente,
resta colhê-lo.
Alcança com a mão a fruta fálica,
toma-a entre os dedos tão de leve
que a faça vibrar, já sazonada
pelo calor que emanarás.
A penugem do pêssego (inventemos)
deve cair sobre os teus lábios e a boca
de avidez serena,
até que o fruto, feito pássaro,
tombe trespassado de chumbo.
Posto que o amor é amor,
cumpre sugar a flor, o pólen, o sal,
a cor da fruta vulvar disseminada,
seminada.
A linguagem do amor é infecunda
como um poema,
apenas lança o seu destino, tece
o fio bem finito do orgasmo:
órgão, asma.
Posto que o amor é tudo e nada
tese e síntese
linguagem que falo,
resta aviá-lo: imagem/fruto/falinguagem.


(Poema de Nei Leandro de Castro in Zona Erógena, tela de Swan Song)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Cavaco Chinês II


Eu e meus irmãos Euclides e Berilo resolvemos aumentar a nossa limitada renda, fazendo uma fezinha no jogo do bicho, na venda do seu Calixtrato Batista. Jogando no burro, 05, e à tardinha saiu o resultado: 06, cabra. Tive a idéia de transformar o 05 em 06, o que fiz com muita habilidade. Os meus irmãos foram buscar o dinheiro do prêmio e seu Calixtrato não desconfiou de nada. Foi farra muita: sorvete, chocolate, guaraná, cinema, gibis, essas coisas boas da vida. No dia seguinte, os bicheiros descobriram a farsa e seu Calixtrato foi falar com meu pai. O velho capitão devolveu o que era devido, pediu desculpas ao comerciante e depois acertou as contas com os filhos. Ainda hoje rendo graças à nossa punição exemplar. Do contrário, eu poderia ser um distribuidor de uísque Old Stroessner, made in Paraguai. Ou um político com a pasta entupida de mensalão e contas em paraísos fiscais. Ou ainda o mestre-salas da Unidos da Corrupção, em rodopios no plenário da Câmara com a porta-bandeira ângela Jaburu.
(Texto de Nei Leandro de Castro in Rua da Estrela Crônicas, quadro de Rosangela Borges)

sábado, 3 de março de 2012

Cavaco-chinês

Pela rua Professor Zuza, a caminho do Sebo Vermelho, vi passar um vendedor de cavaco-chinês, tilintando o seu triângulo de aço. Comprei uns cavacos, dei uma mordida daquelas de menino guloso, e aí começaram a surgir lembranças da minha infância, em enxurradas, como ocorreu com Marcel Proust ao provar sua "madeleine". Apressei o passo, já pensando em acertar com Abimael Silva a edição dos sete volumes do meu romance autobiográfico. Mas ao chegar na avenida Rio Branco as minhas lembranças já estavam embaralhadas e diluídas. Comi o resto do cavaco-chinês, que não surtiu o efeito desejado, apenas me deu sede, frustração. As memórias da infância que se salvaram não ocupam duas laudas digitadas, mesmo assim vou colocá-las no papel, enquanto espero outra avalanche à maneira de Proust. Da próxima vez, pretendo experimentar grude de Estremoz como detonador de memória. Enquanto espero, ponho à mostra o que se salvou provocado pelo gosto de infância do cavaco-chinês.
***
Meu tio Miguel Leandro era tabelião em São Jósé de Mipibu. De vez em quando eu passava férias na sua casa, que ficava em frente a uma praça grande, com coreto, onde à tardinha as meninas passeavam numa direção e os meninos no sentido inverso. Era a passeata do flerte. Havia os olhares compridos e pidões dos pequenos machos e olhar dissimulado das fêmeas em flor. Elas também usavam um risinho baixo, com as mãos escondendo os dentes, e as mais ousadas sacudiam os cabelos, em gestos sensuais que lembravam as artistas de cinema. Zizi era a minha favorita por duas razões: sacudia os cabelos como ninguém e tinha sotaque carioca. Foi difícil, valeu uma peregrinação em torno da praça que talvez superasse os quilômetros do Caminho de Santiago, mas consegui chegar a Zizi. Ela não tinha tia: tchinha tchitchia. Pronunciava djia, noitche e outros sons que soavam como música aos meus ouvidos de apaixonado. No terceiro dia de namoro, Zizi me perguntou se eu tinha bicicleta. Gaguejei um pouco e disse: "Meu padrinho Dinarte me prometeu uma bicicleta como presente de aniversário de 15 anos. Só faltam três anos." Zizi deu uma risada e até o seu riso tinha sotaque do Rio de Janeiro. Mesmo debochado, era um riso lindo. Deu as costas, foi embora e no dia seguinte eu a vi pedalando a bicicleta de um concorrente meio abusado.
(Texto de Nei Leandro de Castro in Rua da Estrela Crônicas)

sexta-feira, 2 de março de 2012

Tango


Esta noite é mais do que noite. É noche.
E não admito, corazón, que haja deboche.
(Poema de Nei Leandro de Castro in Musa de Verão, foto autor desconhecido)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Vendedor de Pássaros


Ao pássaro, o homem
(animal sem respeito)
não dá o direito
de escolha
entre o alpiste
e o não ser triste.
(Poema de Nei Leandro de Castro in Feira Livre, foto autor desconhecido)