segunda-feira, 23 de abril de 2012

Nova canção do exílio

Já cruzei todos os mares,
bebi em todos os bares,
amei cento e dez mulheres,
sem falar em mal-me-queres
Já seduzi num minuto,
já fui chamado de puto,
andei por vários países,
desvirginei meretrizes.
Em Lisboa, em pleno inverno,
vi o céu e o inferno
nas coxas da namorada
que era bruxa e era fada.
Já fiz doutorado em línguas
com mestra da Califórnia,
verti para dez idiomas
a dura palavra esbórnia.
Tenho estrada, muito chão,
à sombra do Redentor,
cavando o gozo chiado
das cariocas em flor.
**
Mas que saudades que tenho
da Rua Professor Zuza,
dos assaltos aos maristas,
das turmas de boca suja.
(Poema de Nei Leandro de Castro in Autobiografia, foto de Sandra Porteous)


sábado, 14 de abril de 2012

Djalma Maranhão


Uma noite, logo depois da Anistia, fui ouvir uma palestra de Darcy Ribeiro na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. No auditório com gente saindo pelo ladrão, Darcy - grande figura, erudito, excelente orador - começou a brilhar como uma constelação. Falou sobre as amarguras do exílio, o desejo de voltar que cresce nos exilados dia após dia, o frio dos invernos que fere como mil agulhas brancas. De repente, falou de um encontro que teve com Djalma Maranhão em Montevidéu. Em poucas palavras, traçou o pefil de Djalma, sua atuação política em Natal, seu projeto educacional revolucionário "De Pé no Chão Também se Aprende a Ler". Para Darcy, visivelmente emocionado, Djalma havia morrido no exílio de saudade e tristeza. Em Montevidéu, ele se recusava a aprender uma só palavra de espanhol, praticamente não se comunicava com os uruguaios que o acolhiam. Com os amigos brasileiros, Djalma conversava como se estivesse numa esquina, num bar ou num café de sua cidade, no meio de velhas amizades sempre renovadas. Natal era uma presença no seu coração. E uma ausência que o levou à morte, em julho de 1971. As palavras de Darcy Ribeiro trouxeram Djalma, de corpo inteiro, para perto de mim. Chorei, fazendo muito esforço para não soluçar.
(Texto de Nei Leandro de Castro in Rua da Estrela, foto autor desconhecido)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Danilo Bessa, o Leo

Na primeira metade dos anos 1970, Danilo Bessa foi morar no Rio de Janeiro. Deixara São Paulo, onde tinha vivido na semiclandestinidade desde que fugira de Natal, em 1º de abril de 1964. No Rio, a repressão se tornara uma das mais violentas do país, a partir do sequestro do embaixador Charles Elbrick, em setembro de 1969. Os militares, principalmente os sanguinários da linha-dura, não podiam admitir que um grupinho tivesse a audácia de capturar o embaixador norte-americano para soltá-lo, quatro dias depois, em troca de 15 presos políticos. As prisões, as torturas e as mortes de ativistas políticos assumiram proporções assombrosas.
*
Foi por esse tempo que Danilo Bessa, condinome Leo, membro do Partido Comunista, passou a morar no Rio de Janeiro. Com problemas de dinheiro, sem condições de conseguir um exílio político, observando que alguns camaradas do PCB estavam optando por posições mais radicais, ele recebeu um convite para ingressar num grupo da luta armada. Aceitou, mas pediu um pequeno prazo para acertar detalhes e trocar idéias com outros camaradas. Nesse mesmo dia, Danilo, o Leo, conversou com Luís Ignácio Maranhão Filho, nosso professor de Geografia no Atheneu, alto dirigente do Partido.
*
Luis Maranhão ouviu as razões de Danilo com a paciência de um bom mestre e não fez perguntas. Depois, se levantou da cadeira onde estava, fixou os olhos no ex-aluno e camarada, por trás das lentes muito grossas dos óculos, e disse: "Eu conheço você desde menino, rapaz! Você não tem jeito pra matar um sibite, uma rolinha, um rola-bosta! Você já se viu matando um segurança de banco? Você já se imaginou atirando à queima-roupa num homem, mesmo que esse homem seja um soldado ou um bandido? Vai te aquietar, rapaz! Nas atuais circunstâncias, a luta armada é uma loucura. Não seja louco!" Danilo Bessa me contou algumas vezes essa história e sempre concluía que o prof. Luís Maranhão o havia livrado da morte. Quer dizer, entre tantos méritos, tantos atos de coragem e solidariedade, acrescente-se a Luís Maranhão mais esse gesto de grandeza: a de permitir que Danilo vivesse mais trinta e tantos anos entre nós.