quarta-feira, 18 de maio de 2011

Cançãozinha de amor a uma máquina lubrificada

Eu sou o teu gigolô.
Todo os dias, te bato com força
e arrebato de ti a minha féria.
Gosto de ti assim lubrificada
como uma mulher no instante
de ser amada.
Arranco de tua intimidade,
de tuas entranhas,
muitas vontades
bem estranhas:
desejo de escrever poesia
quando sei que o dia
está mais para o trabalho, o trabalho
imutável como as cartas de um baralho.
Vontade também de te cornear
na tua frente, sobre a mesa
com uma mulher tão bela
que depois do amor me dê tristeza.
Mas, no fundo, eu te amo
nessa convivência mais ou menos fria.
Bato na tecla, escrevo: fala!
Permaneces muda
mas tua eterna submissão cala
no orgulho desse teu gigolô
que te bate, te bate, te bate com amor.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Madrigal

De binóculo
vejo a melancolia
da menina
que perpetra poesia.
Mas de que gosto mesmo
é de sua calcinha branca
como um papel intocado
que vislumbro
quando ela cruza as coxas.
Sob a calcinha
uma flor de pétalas roxas.
***
E onde fica a melancolia
da menina e sua poesia?

(Poema de Nei Leandro de Castro in Musa de Verão, ilustração de Edgar Degas)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A Menina do Pombo

Porque as mãos,
embora suaves
(duas conchas de pluma),
anulam as asas,
os olhos dão
a líquida ternura
da menina
ao pombo.
Porque a infância
além da moldura
se desprenderá
em busca do vôo,
os olhos da menina
são fontes onde
é suicida
o pombo.
(poema de Nei Leandro de Castro in Voz Geral, ilustração de Picasso)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Correspondência

Na adolescência li "A Barca de Gleyre", um livro volumoso que reúne as cartas de Monteiro Lobato e Godofredo Rangel ao longo de muitos anos. A leitura me fascinou e talvez seja essa a origem da paixão que tenho pela correspondência. Já troquei ceentenas de cartas e só lamento ter rasgado as cartas das primeiras namoradas, das paixões desesperadas, dos amores perfeitos e imperfeitos. Mas tenho bem guardadas cartas de dois dos meus maiores ídolos: Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.
Com a internet, a correspondência ganhou velocidade, mas perdeu em essência. Já não se escrevem cartas como antigamente, tudo ficou muito apressadinho, superficial, sem a beleza e o calor de antes. Mesmo assim, continuo tentando me corresponder, mandar e-mails, esperar o retorno que quase sempre não acontece. Está cada vez mais difícil manter uma correspondência, mesmo entre aqueles que são do ramo. Moacy Cirne, por exemplo, me manda uma média de quatro e-mails por semestre, o que não é pouco se comparado com Tácito Costa, que me manda, quando inspirado, um e-mail por ano. Os mais assíduos dos meus correspondentes são Homero Costa, que não falha, não atrasa, apesar dos seus afazeres de professor universitário; Geraldo Batista esta sempre me enriquecendo com suas tiradas de humor e demonstrações de amizade; o poeta paraense Pedro Galvão me envia com frequência e-mails longos, bonitos, poéticos. Até quando, não sei. A tendência, pelo que sinto, é a mensagem ficar cada vez mais curta, concisa, com o uso daquela abreviaturas ridículas como tb, abs, vc.
Às vezes, a correspondência via internet é invasiva, maldosa, prejudicial. Bom mesmo é saber que uma carta que digito para um amigo que mora em Lisboa, leva segundos para chegar às suas mãos. Bom é saber que a natalense Dália Wilcinski está muito bem na Califórnia, usando o seu talento, fazendo cursos, vivendo intensamente. E é sempre agradável receber notícias de Currais Novos, que me chegam com os bons poemas e a boa prosa de Maria Maria Gomes. De Caicó vêm voando as notícias de Oberdan Damásio, um grande e generoso amigo.
De vez em quando, um desconhecido entra na telinha. Recentemente recebi o e-mail de um certo Araújo. No espaço do assunto ele escreveu: "Estou morrendo de paixão! Socorro!" Era algo patético. Dizia o remetente: "Há uma semana, conheci uma garota de 25 anos, por quem me apaixonei nos primeiros vinte minutos de conversa. A beleza do rosto, as linhas do corpo, a sensibilidade, tudo nela me seduziu de uma maneira incrível. Perguntei o seu nome e ela respondeu com um sorriso lindo e debochado: "Dualiba, mas pode me chamar de Duá." E deu uma bela risada. Só me restou dizer que casaria com ela anteontem, que a levaria para a Grécia, para Honolulu, para a Polinésia Francesa. A bela sacudiu os ombros e disse: "Só quando você se transformar em Ojuara." "Depois de ler o seu romance, diz Araújo, "é que entendi o que Duá quis dizer. Por favor, o senhor pode me transformar em Ojuara?"
(Crônica de Nei Leandro de Castro in "Rua da Estrela - Crônicas")

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Lorquiana para a Feira de São Cristóvão

O sol de domingo explode
sobre um chão de alpercatas,
nas cabeças nordestinas,
no sal da carne-de-sol.
O pregão em voz cantada
vende também a saudade:
dor de espinho aprofundado
no peito de cada um.
O sarapatel servido
tem um cheiro de Alecrim
e no seu molho sangrento
bóiam vísceras cortadas,
um sabor tão sertanejo
que se mistura à farinha
e se mistura à cachaça
bebida de talagada.
O couro curtido espalha
mais um odor pela feira.
Este espaço não é Rio.
A legião de mascates
vinda do chão do Nordeste
conquistou o território
e nele cravou bandeiras
com brasões de jerimum.
São Cristóvão aos domingos
veste roupa de vaqueiro
toca viola, rabeca,
desafia em versos simples
quem gosta de pelejar.
Tem a peleja do Cão,
da moça que virou cabra
e dos heróis domingueiros
que procuram desafio,
só pra derrubar o medo
de não voltar à terrinha.

(Poema de Nei Leandro de Castro, ilustração autor desconhecido Galeria da Feira de São Cristóvão)