quinta-feira, 12 de maio de 2011

Correspondência

Na adolescência li "A Barca de Gleyre", um livro volumoso que reúne as cartas de Monteiro Lobato e Godofredo Rangel ao longo de muitos anos. A leitura me fascinou e talvez seja essa a origem da paixão que tenho pela correspondência. Já troquei ceentenas de cartas e só lamento ter rasgado as cartas das primeiras namoradas, das paixões desesperadas, dos amores perfeitos e imperfeitos. Mas tenho bem guardadas cartas de dois dos meus maiores ídolos: Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.
Com a internet, a correspondência ganhou velocidade, mas perdeu em essência. Já não se escrevem cartas como antigamente, tudo ficou muito apressadinho, superficial, sem a beleza e o calor de antes. Mesmo assim, continuo tentando me corresponder, mandar e-mails, esperar o retorno que quase sempre não acontece. Está cada vez mais difícil manter uma correspondência, mesmo entre aqueles que são do ramo. Moacy Cirne, por exemplo, me manda uma média de quatro e-mails por semestre, o que não é pouco se comparado com Tácito Costa, que me manda, quando inspirado, um e-mail por ano. Os mais assíduos dos meus correspondentes são Homero Costa, que não falha, não atrasa, apesar dos seus afazeres de professor universitário; Geraldo Batista esta sempre me enriquecendo com suas tiradas de humor e demonstrações de amizade; o poeta paraense Pedro Galvão me envia com frequência e-mails longos, bonitos, poéticos. Até quando, não sei. A tendência, pelo que sinto, é a mensagem ficar cada vez mais curta, concisa, com o uso daquela abreviaturas ridículas como tb, abs, vc.
Às vezes, a correspondência via internet é invasiva, maldosa, prejudicial. Bom mesmo é saber que uma carta que digito para um amigo que mora em Lisboa, leva segundos para chegar às suas mãos. Bom é saber que a natalense Dália Wilcinski está muito bem na Califórnia, usando o seu talento, fazendo cursos, vivendo intensamente. E é sempre agradável receber notícias de Currais Novos, que me chegam com os bons poemas e a boa prosa de Maria Maria Gomes. De Caicó vêm voando as notícias de Oberdan Damásio, um grande e generoso amigo.
De vez em quando, um desconhecido entra na telinha. Recentemente recebi o e-mail de um certo Araújo. No espaço do assunto ele escreveu: "Estou morrendo de paixão! Socorro!" Era algo patético. Dizia o remetente: "Há uma semana, conheci uma garota de 25 anos, por quem me apaixonei nos primeiros vinte minutos de conversa. A beleza do rosto, as linhas do corpo, a sensibilidade, tudo nela me seduziu de uma maneira incrível. Perguntei o seu nome e ela respondeu com um sorriso lindo e debochado: "Dualiba, mas pode me chamar de Duá." E deu uma bela risada. Só me restou dizer que casaria com ela anteontem, que a levaria para a Grécia, para Honolulu, para a Polinésia Francesa. A bela sacudiu os ombros e disse: "Só quando você se transformar em Ojuara." "Depois de ler o seu romance, diz Araújo, "é que entendi o que Duá quis dizer. Por favor, o senhor pode me transformar em Ojuara?"
(Crônica de Nei Leandro de Castro in "Rua da Estrela - Crônicas")

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