sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Amoramor

Eu queria ter tido
um amor absurdo
abissal
como um navio
entrando na nave
de uma catedral.
(in Diário Íntimo da Palavra, Nei Leandro de Castro. Foto Sandra Porteous)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Três ruas do Rio

Rua Professor Estelita Lins
Ali no ponto
onde rugem os ônibus
consolidou-se o que era doce.
Encontro, encontro,
o amor completo,
a filha que vem,
feto e afeto.
O ventre imenso,
barriga alada
da mulher mãe,
da fêmea amada.
(Poema escrito por Nei Leandro de Castro há 31 anos, publicado no Diário Íntimo da Palavra.
Foto de Juliana grávida de Olívia, tirada por Sandra Porteous em 2009.)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Rio Revisitado

Os jardins floridos da General Glicério
(fotos Sandra Porteous)

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Feira Livre

Tomates
Perto de quem os vende,
uma mulher exangue,
os tomates exibem
uma pele lisa
cheia de sangue.
Rosas
À beleza tão decantada
da rosa, rosa, rosae,
a feira chega a ser ingrata.
Nela, uma rosa
uma rosa, uma rosa
é mais barata.

Jerimum

Sou um dos que se recusam

a chamar de abóbara

o jerimum.

(in Feira Livre, Nei Leandro de Castro. Fotos Sandra Porteous)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

No Jardim Botânico

(...)
Nos primeiros dias no Rio revisitado, vou correndo ao encontro da paz exuberante do Jardim Botânico, um dos lugares mais belos e tranquilos do mundo. A aleia principal é ladeada por palmeiras bicentenárias, plantadas por dom João VI. Pela vereda principal, dobra-se à esquerda mais adiante e se chega ao lago onde frei Leandro meditava e dava lições de santidade. Ali, eu medito e peço ao meu quase xará que me livre das tentações. (...)
(In De volta ao Rio, crônica de Nei Leandro de Castro. Foto Sandra Porteous)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

No Jardim Botânico

As mulheres de Matisse
- não importa o disse-me-disse -
dançam todas sempre nuas
em noite escura ou de lua.
(Nei Leandro de Castro, foto Sandra Porteous)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Anjo Barroco

Eu vivo com meus fantasmas, um deles é sexual. Sátiro, persegue moças derruba-as pelas esquinas, levanta saia de freiras e sorri com a visão da brancura imaculada de suas calcinhas claras. O meu fantasma é anêmico e tem peito enfisemático, a sua risada estronda nos corredores escuros quando surpreende a adúltera em decúbito ventral. Fauno moderno, o fantasma galopa em bicicletas. Querendo, vira selim onde meninas estrepam o sexo de flores brancas. Meu fantasma tem roupões que ele veste por cima do corpo peludo em pêlo. Assim vestido, ele vai para a porta dos colégios, acena com picolés e docinhos pras crianças até que, na outra esquina, quando o guarda se afasta ele exibe seus guardados: duas esferas que apóiam a envergadura do sexo. Meu fantasma esquadrinha as fechaduras antigas por onde ele pode ver, com as têmporas latejando, o tímido que dilacera a noiva em lua-de-mel. Nos tabiques dos hotéis de terceira e quarta classe ele cola seus ouvidos e ouve a cama rangendo ouve a mulher docemente trespassada. Ouve ainda o macho que estertora na explosão do orgasmo. Meu fantasma vai à praia mas prefere estar na sombra porque o sol o dilui. E na sombra das barracas com o olho em grande angular olho-de-peixe aberto ele grava nas retinas um só pelinho de púbis que escapa dos maiôs. Nas piscinas, seu mergulho só esbarra, por acaso, em coxas, seios e nádegas. Anjo barroco, o fantasma entra no confessionário e goza, ele e o padre, com as confissões da viúva. Meu fantasma não lê livros porque acha que em sexo não devem entrar palavras. Prefere correr o risco de ser preso em flagrante comprando baralhos sujos em que reis trepam rainhas e as damas de ouro e copas se empalam no ás de paus. Alguém precisa ver só como o meu fantasma vibra com os seios, todos eles, exceto, claro, os murchos. Peitos de adolescentes libertos sob o vestido cujos bicos, dois espinhos, fazem buracos simétricos na bluxa. Os intumescidos, das mães que doam seu leite sob seus olhos mendigos. Seios, seios, seios, seios até os reproduzidos na série revista médica. Meu fantasma tem um trauma: nunca esmagou uma pulga nas nádegas de uma amante negra, vestida apenas de longas meias de renda. Ah, meu fantasma, bolinas até a menina dos olhos. Te exorciso. Vade retro.
(in Zona Erógena, Nei Leandro de Castro)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Uma fabulazinha de Franz Kafka

"Ai de mim!" exclamou o camundongo, "o mundo está ficando cada vez menor. De início era tão grande, que eu me apavorava. Vivia correndo para cá e para lá, é só me tranquilizava quando via, por fim, paredes bem distantes à esquerda e à direita. Mas o espaço entre essas paredes estreitou-se tão rapidamente que já me encontro na última câmara, e vejo ali no canto a ratoeira onde de certo esbarrarei."
"Ora, basta-lhe escolher outro caminho", disse o gato antes de engoli-lo.
(foto Sandra Porteous)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Annabel Lee

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.
**
Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
A ambos nos invejar.
**
E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.
**
E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem da noite
Gelando e matando a que eu soube amar.
**
Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.
**
Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.
(de Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa)