terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Anjo Barroco

Eu vivo com meus fantasmas, um deles é sexual. Sátiro, persegue moças derruba-as pelas esquinas, levanta saia de freiras e sorri com a visão da brancura imaculada de suas calcinhas claras. O meu fantasma é anêmico e tem peito enfisemático, a sua risada estronda nos corredores escuros quando surpreende a adúltera em decúbito ventral. Fauno moderno, o fantasma galopa em bicicletas. Querendo, vira selim onde meninas estrepam o sexo de flores brancas. Meu fantasma tem roupões que ele veste por cima do corpo peludo em pêlo. Assim vestido, ele vai para a porta dos colégios, acena com picolés e docinhos pras crianças até que, na outra esquina, quando o guarda se afasta ele exibe seus guardados: duas esferas que apóiam a envergadura do sexo. Meu fantasma esquadrinha as fechaduras antigas por onde ele pode ver, com as têmporas latejando, o tímido que dilacera a noiva em lua-de-mel. Nos tabiques dos hotéis de terceira e quarta classe ele cola seus ouvidos e ouve a cama rangendo ouve a mulher docemente trespassada. Ouve ainda o macho que estertora na explosão do orgasmo. Meu fantasma vai à praia mas prefere estar na sombra porque o sol o dilui. E na sombra das barracas com o olho em grande angular olho-de-peixe aberto ele grava nas retinas um só pelinho de púbis que escapa dos maiôs. Nas piscinas, seu mergulho só esbarra, por acaso, em coxas, seios e nádegas. Anjo barroco, o fantasma entra no confessionário e goza, ele e o padre, com as confissões da viúva. Meu fantasma não lê livros porque acha que em sexo não devem entrar palavras. Prefere correr o risco de ser preso em flagrante comprando baralhos sujos em que reis trepam rainhas e as damas de ouro e copas se empalam no ás de paus. Alguém precisa ver só como o meu fantasma vibra com os seios, todos eles, exceto, claro, os murchos. Peitos de adolescentes libertos sob o vestido cujos bicos, dois espinhos, fazem buracos simétricos na bluxa. Os intumescidos, das mães que doam seu leite sob seus olhos mendigos. Seios, seios, seios, seios até os reproduzidos na série revista médica. Meu fantasma tem um trauma: nunca esmagou uma pulga nas nádegas de uma amante negra, vestida apenas de longas meias de renda. Ah, meu fantasma, bolinas até a menina dos olhos. Te exorciso. Vade retro.
(in Zona Erógena, Nei Leandro de Castro)

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