terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O Potengi

"Esse rio é uma loucura,
esse rio é um assombro,
já fiz amor no seu leito
com água pelos meus ombros.
(...)
Esse rio é tão bonito
que perdôo sua loucura.
Ele afoga o pôr-do-sol
e corre à minha procura."
(in Autobiografia, Nei Leandro de Castro, 2008, foto Sandra Porteous)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Anotações de leitura

"...Enquanto vivemos na nossa terra, parece-nos que aquelas ruas nos são indiferentes, que aquelas janelas, telhados e portas nada significam, que aquelas paredes são completamente estranhas, que aquelas árvores nasceram ontem, que aquelas casas, onde nunca entramos, são inúteis, que as ruas por onde andamos não passam de simples pedras. Mais tarde, quando estamos longe, é que percebemos como nos são queridas aquelas ruas, como nos fazem falta aqueles telhados, aquelas janelas e portas, como nos são indispensáveis aquelas paredes, como gostamos daquelas árvores, como aquelas casas, onde nunca entramos, faziam parte da nossa vida, e que deixamos entranhas, sangue e coração nas pedras daquelas ruas."
(by Victor Hugo, in Os Miseráveis)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Caicó

Ah, o Itans. Sofro, como todo caicoense, quando vejo que a sua lâmina d'água está abaixo do normal. E transbordo de alegria quando suas águas transbordam. Itans são águas que beijam e embalam o sertão, Itans são as primeiras águas que vi na vida. Itans é uma referência de emoção, Itans é uma ternura líquida e certa.
(Saudação a Caicó, Nei Leandro de Castro - foto de Sandra Porteous)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

In the middle of the trip.

Estão chegando
os quatro cavaleiros
montados em metais
soprando trombetas
em gozos letais
exibindo a cor do som
(mistura de todas as cores
inclusive a marrom)
e o som escorre
como um arco-íris de lata
e a viagem
mais do que me embala
me mata.
(in Musa de Verão, 1984, Nei Leandro de Castro - Foto: Sandra Porteous)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Kirimurê

"... Salve as folhas brasileiras Oh salvem as folhas pra mim Se me der a folha certa E eu cantar como aprendi Vou livrar a Terra inteira De tudo que é ruim. Eu sou o dono da terra Eu sou o caboclo daqui Eu sou Tupinambá que vigia Eu sou o dono daqui..."
(Jota Velloso, foto Sandra Porteous)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Prazer de leitura

O livro "Leila Diniz por Joaquim Ferreira de Souza" me levou numa viagem à infância no Rio de Janeiro. Minhas lembranças:
  • Vovó cantando "Eu sou o pirata da perna de pau..." enquanto se vestia para sair no bloco de sujo no carnaval de 1956.
  • Assistir aos filmes de Tom & Jerry e Oscarito nas matinês do Metro Copacabana.
  • Pegar bonde na Nossa Senhora de Copacabana.
  • Visitar amigos que moravam na Lagoa ou no Jardim Botânico e achar muito longe.
  • Sentir um friozinho na barriga quando o carro do meu primo Zé Luis passava por cima da ponte na Urca.
  • Andar de charrete puxada por bode no Jardim de Alá.
  • Frequentar a Biblioteca Thomas Jefferson na esquina da Santa Clara com a Avenida Atlântica.
  • Pular carnaval no grito de carnaval da Rua Toneleiros com a Santa Clara (o túnel ainda não existia).

Eu acredito que o Rio de Janeiro ainda pode voltar a ser tão mágico quanto era na minha infância.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Flor/Firenze

Uma cidade que me maltrate de beleza e Renascença que me dante, beatriz-me, ponte vecchia que me convença que a travessia é semi-eterna como a crença. Águas do Arno, pedras de Carrara que um anjo chamado Miguel seminou com um cinzel (os escravos desse anjo louco vão se libertar da pedra daqui a pouco). Uma cidade que me aponte: Masaccio - e a emoção invada as artérias do meu coração como uma suave doença. Florença. (Nei Leandro de Castro, ilustração de Masaccio)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Grandes amores e traições

Aos 28 anos de idade, numa noite sem lua e sem estrelas, cometi uma grande traição a quem eu amava imensamente. Dei as costas para Natal e fui viver minha paixão pelo Rio de Janeiro. Para trás ficavam lugares e momentos inesquecíveis: os banhos no rio Potengi, os mergulhos no Poço do Dentão, a magia da rua da Estrela com a rua Professor Zuza, o areal sem fim da rua Apodi,os mistérios do Morro do Estrondo, a beleza das praias de águas mornas, a ternura eterna de dona Alice, um certo capitão Antônio de Castro que, numa noite, na praça Pio X,deu uma surra num marginal forte e valentão que ousou bater na criança que era o meu irmão Airton. Havia ainda, como uma saudade incurável, uma flor e um maremoto de paixão chamado Margarida. O Rio de Janeiro estava lá, aberto aos meus olhos, disponível ao meu êxtase: uma cidade bela, belíssima, muito grande para quem estava habituado a viver nos limites da província. Foi um difícil começo. Sem dinheiro, sem parente ou aderente que me pagasse uma média com pão e manteiga, foi difícil viver aquela paixão. Tentei vender enciclopédias e descobrimos - eu e o dono do negócio - que eu era o pior vendedor que já havia passado por aquela empresa. O primeiro emprego surgiu meses depois, numa editora que ficava no bairro de Ramos, quatro quilômetros depois da casa do Carvalho. Eu pegava um ônibus bem cedinho, e rodava uma distância Natal-Macaíba, pela avenida Brasil, num trânsito que àquela época já era intenso e perigoso. O percurso de volta, depois de oito horas de trabalho e um lanche nos botecos de Ramos, era ainda mais difícil e doloroso. Certo dia, cansado de tudo com planos de morar em Quixeramobim ou casar, com uma viúva remediada, recebi um novo alento. Uma amiga minha leu um texto que lhe mostrei e disse: "Você leva jeito para publicidade. Conheço uma agência que está precisando de redator". A propaganda, embora seja a profissão que mais reúne egos hiperinflados, é uma fonte de renda. Agora, sim, eu já podia ver o pôr-do-sol de Ipanema sem pensar em dívidas. Podia me sentar num banco à beira-mar, na beleza tranqüila do Arpoador. Podia passear pela Urca dos meus amores. Podia viver intensamente a minha paixão pela cidade mais bela do mundo. Como se não bastasse, numa noite de 1972, no lançamento de um livro em Ipanema, uma mocinha magra, de uma beleza angelical, pele bem clara, cabelos escuros e fartos, se aproximou de mim, com um cigarro entre os dedos e me perguntou se eu tinha isqueiro. Naquele tempo (que horror!) eu fumava e tinha isqueiro. Esse encontro foi mais uma das dádivas que o Rio de Janeiro me ofereceu. Passei a compartilhar minha paixão pela cidade com uma mulher sensível, inteligente, amorosa, companheira de todas as horas. Juntos, também fizemos nossas traições. De repente, quando o Rio se descuidava, a gente o traía com Paris, Roma, Florença, Veneza, Lisboa. Voltar para Natal, em 2005, terá sido uma traição? Acho que não. Foi mais uma reconciliação com a cidade traída em 1968, numa noite sem lua, sem estrelas, sem esperança. Espero que o Rio e Natal compreendam. E compreendam também as nossas paixões renovadas por Paris, Roma, Florença, Veneza, Lisboa.
(in Tribuna do Norte, Nei Leandro de Castro)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Poema Uterino

Os úteros são mornos como esta rede de punhos doces, onde me agito como os punhos de um feto contra paredes internas. Na rede, um fio de memória ou pensamento permanece e me parece medo e esperança de primípara. Penso: as varandas desta rede são placentas que me envolvem. Ou seriam uma teia de cordões umbilicais? A rede me convexa no seu tecido esponjoso. Cuido de aninhar-me, de resistir bem dentro dela, temendo que algo se rompa em torno ou dentro de mim, como uma bolsa d'água.
(in CantocontraCanto, 1981, Nei Leandro de Castro)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Mar sonoro

"Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a sua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim."
(Sophia de Mello Breyner)

Salve as folhas brasileiras

Salve as folhas brasileiras Oh salvem as folhas pra mim Se me der a folha certa E eu cantar como aprendi Vou livrar a Terra inteira de tudo que é ruim. (Kirimurê, Jota Veloso) Foto Sandra Porteous