quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Uma viagem a Paris



Um dia desses fiz uma visita a Paris dos anos 20, na agradável e erudita companhia de William Wiser. Foi uma viagem deslumbrante em todos os sentidos. Na primeira visita a Montmartre, dei de cara com a Josephine Baker passeando com um leopardo preso a uma coleira prateada. A cidade e seus habitantes estavam tão acostumados com as esquisitices da cantora que só turistas e crianças paravam para vê-la desfilando com seu bichinho de estimação. William me levou à casa de Gertrude Stein e eu confesso que não gostei muito daquela mulher baixinha, parecida com uma índia asteca, mandona, sempre encangada com Alice Toklas. Alice, sim, era um doce de pessoa, de gestos meigos, suaves murmúrios. Estive na Shakespeare& Co., de Sylvia Beach, mulher que somava talento, amor aos livros e generosidade. James Joyce, sempre arrogante e exigindo favores de Sylvia Beach, estava lá, derreado numa poltrona ao fundo da livraria. Era um gênio posando de gênio. O autor de Ulisses, quando se permitia dialogar com alguém, encerrava o papo com a sentença: "Você precisa ajudar James Joyce." E muitos acabavam ajudando o irlandês genial, mas que os mecenas não se atrasasem nas remessas. Se a ajuda não chegava no dia combinado, Joyce escrevia ao caloteiro: "Eu ficaria muito feliz se so seu cheque mensal me chegasse pontualmente."
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Vi Ernest Hemingway várias vezes, no Le Coupole e nos bares de Montparnasse, mas guardei uma certa distância. O autor de Paris é uma Festa, alto, fortão, gostava de lutar boxe e qualquer lugar poderia se transformar em ringue para suas exibições. Hemingway e Scott Fitzgerald estavam sempre se estranhando. Fitzgerald era irôico, vencia o adversário nas tiradas de humor, mas não suportaria meio round de luta, mesmo se Hemingway lutasse com um só braço. Irônico também era o compositor Erik Satie, que vi perambulando pelas ruas do subúrbio de Arcueil - solitário, excêntrico, místico, maravilhoso. Na solidão do seu apartamento, pouco maior do que uma cabine telefônica e que nunca passou por uma limpexa. Satie construiu uma obra que ocupa lugar de destaque na história da música moderna.
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William Wiser é um cicerone incansável. Só repousa um pouco quando se senta em volta de uma mesa do Le Coupole ou da Closerie des Lilas, e pede um bom vinho. Ele faz um brinde àqueles que tiveram seus caminhos, seus talentos, cortados pela loucura ou pela morte prematura, como Zelda Fitzgerald, o poeta Hart Crane, Isadora Duncan e o romancista Raymond Radiguet. Mas a viagem não é para cultuar os mortos, tanto que William se recusa a visitar o cemitério Pére Lachaise, a maior concentração de mortos ilustres por centímetro quadrado. Ele prefere caminhar comigo pelo Jardim de Luxemburgo, luxo e luxúria de verdes.
(Crônica de Nei Leandro de Castro, in Rua da Estrela, foto de Sandra Porteous)

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