segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Registro


Na manhã em que você nasceu, Juliana,
havia prospecção de sangue no deserto de Ogaden,
um egípcio bem vestido perseguia de jato
o Prêmio da Paz doado pelo inventor da dinamite,
a Terra - nua, maníaco-depressiva, azul -
continuava o passeio em volta de si mesma
violentada pelos olhos lúbricos
de mil novecentos e setenta e oito satélites,
o índice médio de violações e crimes
permanecia em alta em todas as bolsas
(com uma brusca valorização em Jacarepaguá,
onde um homem pobre e violento foi morto a socos
por cidadãos pobres e pacíficos),
o povo que um dia você vai conhecer mais de perto
cumpria o prazo regulamentar de cinco dias
para gritar na rua e gastar todas as suas reservas,
depois do que voltava à mordaça
e ao trabalho diário a Cr$5,50 a hora,
proibido de gritar de fome, proibido de ver
a tortura, a violência, os sequestros decretados
em nome de uma teoria da relatividade democrática.
E no entanto, Juliana,
eu me lavava na ternura humana dos seus olhos
de repente abertos para o mundo.

(Poema de Nei Leandro de Castro, publicado em CantocontraCanto, escrito em fevereiro de 1978 - foto de Ron Robinson)

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