domingo, 13 de fevereiro de 2011

A canção de amor

O amor implode e a explosão
vai direto ao coração, para multiplicá-lo
como os pedaços de metais de uma granada,
romã caindo sobre um pátio de colégio
de freiras, numa sacrílega manhã.
O amor. Não procure apreendê-lo de estalo.
O amor, eu o fecundo nas trompas inflamadas
da mulher amada que está gritando
todos os plurais em ais.
Só o amor faz escrever versos de amor
e na prisão, a pão e água estagnada,
alguém prende aquela triste e leda madrugada
nos dedos. A rima dos versos é uma água no cio
que nasceu para ser cavalgada, emparelhada.
Parênteses: de repente dá vontade
de escrever: berceuse. Ou de dizer: boceta.
O amor está presente e se insinua
como o desejo de uma mulher grávida
que quer comer sua placenta crua.
O amor, coitado, sempre foi rosa nos versos
dos adolescentes com febre de sonetos
mas na minha canção, não,
ele jamais será tratado como tal.
Prefiro a paz nas alturas de uma nave espacial.
O amor está feliz numa sarjeta
e chafurda na poça que não reflete nada:
os pombos do poema há muito já se foram,
morreram de velhice, e a lua é uma frase de efeito
que já não brilha. O amor se basta em sua lama
e basta. O amor rompeu com a tirania lapidar
e quer somente cumprir o seu destino de semente,
um grito amargo, lisérgico, com contra-indicação
para os tiranos e os alérgicos.
O amor retumba na cabeça e é dor ciática, reflexa,
que intumesce a glande e cora os grandes lábios.
De repente, o amor se aninha entre lençõis
e já não dói. Mas é preciso guardar a sua chama
para o amor não esfriar como lábio do morto
ou o lado direito da cama onde pousou
o corpo de quem ama, o corpo de quem ama.
O amor do outro lado
está desintegrado em monóxido de carbono.
Veja: os abandonados que esperam em vão
no ponto da esquina vão respirando fundo,
lentamente, como quem aspira a morte.
E contra o amor em passeata, amor,
eles detonam gás lacrimogêneo,
cavalos investem no passeio, morre sob patas
uma mulher que não protege os seios.
O amor está no hospício tratado como vício.
(Poema de Nei Leandro de Castro in Era uma vez Eros, foto de imagem do Google)

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