segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Meus verdes anos

Meus verdes anos às vezes tinham a cor do verde lodo. Numa tarde, depois de gazear uma aula no Atheneu, que ainda ficava na Junqueira Aires, fui com uma turma pescar no Potengi. Ficamos perto da pedra da Chapuleta e jogamos nossas iscas, sabendo de antemão que o único peixe que poderia ser fisgado era o moré - pequeno, feio, sem serventia. Metido na farda do Atheneu, que minha mãe mantinha branca, imaculada, aguardei o peixe. De repente, uma fisgada mais forte do que a esperada. Derrapei no lodo, caí sobre a lama e as pedras que havia às margens do rio. Ainda hoje guardo na mão esquerda, perto do pulso, as cicatrizes dos ferimentos. E como convencer a minha mãe de que eu havia sujado a roupa e me ferido daquele jeito assistindo às aulas de geografia ou de história?
Estudei apenas dois anos no Atheneu da Junqueira Alves, que depois seria transferido para aquele prédio em forma de X, na Campos Sales. O antigo Atheneu, sob a direção do professor Celestino Pimentel, tinha uma grande atração: os bondes que vinham da Ribeira e subiam gemendo a ladeira da rua em que Câmara Cascudo viveu a maior parte de sua vida cheia de livros e de glória. O show ficava por conta da molecagem dos alunos. A gente passava sabão no trilho do bonde e aguardava a sua chegada, no parapeito do colégio, com a expectativa de uma torcida fanática diante de uma partida que decide o campeonato. E lá vinha o bonde, zunindo, potente, cheio de si. À altura do colégio, começava a patinar no trilho ensaboado. Quanto mais o condutor imprimia força ao monstro de ferro mais ele se desesperava, sem sair do lugar, sob vaias monumentais. Celestino Pimentel, que era um homem cordial, mas não admitia molecagens, ficava mais possesso do que o motorneiro do bonde.
Numa tarde de sábado ou domingo, eu e meus irmãos Euclides e Berilo fizemos uma cota e alugamos uma pequena canoa para pescar no outro lado do Potengi. Saímos remando, felizes da vida, pensando em pegar muito peixe e muito caranquejo às margens do manguezal. Antes de alcançarmos o outro lado, o céu escureceu de repente e sobreveio uma tempestade de varrer o mundo. Com gritos de medo, com choro, conseguimos chegar na outra margem e domamos a muito custo a canoa que dava pulos na água agitadíssima. Tremendo de medo e de frio, esperamos algumas horas até a tempestade serenar. Sempre que vejo de perto o Potengi, me vem essa lembrança cheia de arrepios e presságios. Mas o medo jamais superou o lirismo e a beleza com que o rio me contempla.
Maurício (vamos chamá-lo assim) era o menos inteligente de nossa turma. Falava errado, tirava as piores notas, era um desmantelo. Uma vez, formando uma dupla numa partida de sinuca, ele disse: "Agora é eu." Alguém corrigiu: "Agora é eu, não. Agora sou eu." E Maurício, revoltado: "Que história é essa? E eu não jogo não?" (Crônica de Nei Leandro de Castro in Rua da Estrela)

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