segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Diário de Florença

Os trens da EuroStar que ligam Roma a Florença não são TGV, mas desenvolvem até 220 quilômetros por hora. A partir de Roma, em pouco menos de duas horas esses trens nos deixam na estação de Florença, que fica bem próxima à belíssima igreja de Santa Maria Novella. Essa igreja, cujos sinos nos despertam às sete da manhã, guarda entre outras preciosidades um crucifixo de Giotto (1266-1337) e um afresco de Masaccio (1401-1428). A estação também fica perto de bons hotéis, restaurantes e trattorias. Numa caminhada de dez minutos, sem pressa, chega-se ao Hotel Aprile, onde nos hospedamos pela primeira vez em 1986. Começa então uma sucessão de dias de prazer, de deslumbramento, de descobertas e redescobertas. A primeira providência é deixar as malas e caminhar pela Via della Porcellana, uma ruazinha estreita que leva à margem direita do Arno. Dessa vez não vi o grupo de prostitutas fellinianas que fazia ponto por ali - duas delas até já me cumprimentavam. Das cinco que compunham o time em outros tempos, resta uma, meio sambada, já passada dos quarenta nos, mas ainda cheia de amor para alugar.
Andar pelas margens do Arno é um grande, grande prazer. O pôr-do-sol, visto da ponte Vecchio, só perde mesmo para o banho de ouro que o sol da terra de Poti mais bela dá todos os dias no Potengi. O Arno corre tranqüilo, parece domesticado, preso entre grossas paredes, mas já mostrou a sua fúria espantosa. Em 1966, o rio inundou Florença, invadiu museus, prédios renascentistas, igrejas seculares, destruiu preciosidades. Na igreja de Santa Croce, as águas atingiram cinco metros de altura e fizeram grandes estragos em sua nave cheia de obras de arte. Um crucifixo do mestre Cimabue (1240-1302), até hoje não restaurado, é exibido como testemunha da tragédia. Desde então, qualquer chuva mais forte assombra os florentinos.
A gente só tem a aprender quando caminha pelas ruas estreitas e pela história de Florença. A Piazza della Signoria reúne multidões. Ali, um círculo de mármore sobre o calçamento marca o local onde Savonarola, um padre dominica cheio de som e fúria, foi morto na foguera, em 1498. Mais adiante, o Perseu de Benvenuto Cellini (1500-1571). Para atingir o calor necessário à fundição dessa escultura, Cellini confessa em suas memórias que tocou fogo na própria casa. Bem perto do Perseu, que está segurando a cabeça da Medusa, ergue-se o Galleria degli Uffizi, uma das maiores concentrações de arte do mundo. Pena que as filas para a entrada se estendam por quilômetros, mas vale a pena esperar algumas horas e se extasiar diante de séculos de arte. O Nascimento de Vênus, de Boticelli, lhe dá as boas-vindas.
A culinária de Florença é outra atração. Os risotos são divinos. A vitela e o cordeiro são os pratos mais saborosos da Toscana. Os garçons não são abusados como os romanos e os donos de trattorias vêm com freqüência à nossa mesa. Um deles, ao perceber que éramos brasileiros, disse que tinha sido amigo íntimo do jogador Sócrates, o maior bebedor de cerveja que Florença conheceu.
(Crônica de Nei Leandro de Castro, in Rua da Estrela, foto de Sandra Porteous)

Nenhum comentário: