terça-feira, 29 de setembro de 2009

A Coruja de Minerva

"Quando a filosofia pinta cinza sobre o grisalho, uma forma de vida já envelheceu e, com o cinza sobre cinza não se pode rejuvenescer, apenas conhecer; a coruja de Minerva alça seu vôo somente com o início do crepúsculo."
(Georg Wilhelm Friedrich Hegel, foto Sandra Porteous)

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Pipa 2009

"Mas as coisas lindas
Muito mais que findas
Essas ficarão."
(Carlos Drummond de Andrade, foto Sandra Porteous)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Prefácio do Rio

Quero arrancar
o leite da poesia
de tuas pedras
como:
o catador que descobre
o ferro e o cálcio dos monturos,
o amante que faz prospecção
do leite vaginal,
o menino que extrai
o difícil espinho,
o cafetão que arranca
a féria da noite,
o solitário que retira de si mesmo
a aventura,
quero o teu lodo e a tua alma
essenciais como a um peixe
em súbito surto de asma,
quero chafurdar na tua alma
de asfalto, quero-te
cidade amaldiçoada pelos ventos podres
que descem das favelas,
quero romper-te como quem rompe
um túnel ou uma nuvem de monóxido
de carbono ou mergulha
de corpo inteiro num rio poluído
rio branco, rio,
rio na tua noite devassada
pela intimidade dos bares,
com o penúltimo bêbado, aquele que pede
sua dose única (a saideira) de cicuta
e por amor lhe é negada.
Rio de Janeiro, agora és dezembro
e és jogo fútil de palavras
para todos os meses da folhinha
e é chegada a hora deste invasor,
deste falso tímido (que exibe
a carteira profissional de tímido
para não fazer declarações de amor),
está na hora de declarar
o meu desvario e amor por ti,
cidade hermafrodita como um cristo,
amarga e granítica como
um pão de açúcar, cidade
de joelhos separados, de boca úmida,
mulher túmida,
intumescente,
virgem deflorada por uma flecha,
hímen complacente, hino de mentira,
sol & mar, amor & ódio,
lugar comum.
(poema de Nei Leandro de Castro, foto de Sandra Porteous)

domingo, 20 de setembro de 2009

O bruxo do Cosme Velho

Quando a noite é íntima e profunda
como um conto,
o bruxo passeia sua melancolia
pelas ladeiras do Cosme Velho.
Os óculos se apóiam no nariz,
que se apóia no bigode branco,
que esconde o vestígio da pele escura
e o ríctus da epilepsia.
Por trás dos óculos, o bruxo
tem um olhar de dor e ironia
ao ver as antigas chácaras
estioladas pelo cimento armado,
ao ouvir o pedido de socorro do rio antigo
hoje riacho em estertor.
Na impossibilidade de colher
as últimas flores dos quintais do bairro
- restos arrancados dele mesmo -
o bruxo marca com o compasso
do seu coração e da bengala
a métrica de um soneto
para a mulher amada e a cidade
desaparecidas.
(in Diário Íntimo da Palavra, Nei Leandro de Castro. Foto de Sandra Porteous)

sábado, 19 de setembro de 2009

Antiga sabedoria, um tanto cósmica

So-shu sonhou, E tendo sonhado que era um pássaro, uma abelha, e uma borboleta Pensou com seus botões para que procurar sentir-se como qualquer outra coisa. Daí sua satisfação.
(Ezra Pound, foto Sandra Porteous)

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A criança nova

A criança nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
(trecho de O Guardador de Rebanhos, Fernando Pessoa. Foto de Sandra Porteous)

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Rendeira

"Uma profissão humilde e linda é a da nossa rendeira, tecendomaravilhas de delicadeza e equilíbrio nas almofadas toscas, no jogo mecânico dos bilros de pau. São artífices em ambientes paupérrimos, conseguindo obras primas que encantam os olhos estrangeiros."
(Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro - Foto Sandra Porteous)

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Jardim Botânico

Conhecemos durante as idades, muitos jardins, desde aquele, talvez o mais longe: Um jardim com tantas flores qual delas escolherei? Mas "o que fica" é o que nos deu companhia na juventude, silêncio e cisma, numa ponta de banco que parecia estar esperando por nós a hora em que chegávamos. Dali partíamos para todos os futuros... Uma tarde (os futuros são passados), voltamos. Os portões vão se fechar. O jardim é o mesmo. A ponta de banco é a mesma. Bem-aventurado quem lhes pode dizer:-Obrigado, meu jardim. Obrigado, minha ponta de banco.
(texto de Álvaro Moreyra, in As Amargas, Não..., foto Sandra Porteous)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Nada muda

"Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices."
"O governante que se preocupa demais com o espelho acaba vendo apenas a si próprio."
(Nelson Rodrigues)
"Há sujeitos que vendem sua alma e vivem muito bem com a consciência que lhes resta"
(Logan Pearsall Smith)
"Primeira coisa a fazer: matar todos os advogados."
(William Shakespeare)
"A burocracia é um terreno fértil: permite plantar funcionários e colher impostos."
(Jules e Edmundo de Goncourt)
(in O PODER de mau humor de Ruy Castro)

sábado, 5 de setembro de 2009

Jardim Atômico

Me entristece um jardim atômico
Cresce floresce
Em meio ao Universo
No avesso reverso
Do meu verso
Cynthia a cintilar
E a brincar com as conchas do mar.
(poema de Bosco Lopes, foto Sandra Porteous)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ser e não ser

Não posso mais pensar,
o pensamento dói.
Se eu tivesse entre as mãos
um crânio escarnado
(despojado do pensamento,
dos olhos, da metafísica
da calvície ou dos cabelos),
entre ser e não ser injusto
eu preferia jogar com ele
uma brilhante partida de futebol.
(Nei Leandro de Castro, foto Sandra Porteous)