quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Prefácio do Rio

Quero arrancar
o leite da poesia
de tuas pedras
como:
o catador que descobre
o ferro e o cálcio dos monturos,
o amante que faz prospecção
do leite vaginal,
o menino que extrai
o difícil espinho,
o cafetão que arranca
a féria da noite,
o solitário que retira de si mesmo
a aventura,
quero o teu lodo e a tua alma
essenciais como a um peixe
em súbito surto de asma,
quero chafurdar na tua alma
de asfalto, quero-te
cidade amaldiçoada pelos ventos podres
que descem das favelas,
quero romper-te como quem rompe
um túnel ou uma nuvem de monóxido
de carbono ou mergulha
de corpo inteiro num rio poluído
rio branco, rio,
rio na tua noite devassada
pela intimidade dos bares,
com o penúltimo bêbado, aquele que pede
sua dose única (a saideira) de cicuta
e por amor lhe é negada.
Rio de Janeiro, agora és dezembro
e és jogo fútil de palavras
para todos os meses da folhinha
e é chegada a hora deste invasor,
deste falso tímido (que exibe
a carteira profissional de tímido
para não fazer declarações de amor),
está na hora de declarar
o meu desvario e amor por ti,
cidade hermafrodita como um cristo,
amarga e granítica como
um pão de açúcar, cidade
de joelhos separados, de boca úmida,
mulher túmida,
intumescente,
virgem deflorada por uma flecha,
hímen complacente, hino de mentira,
sol & mar, amor & ódio,
lugar comum.
(poema de Nei Leandro de Castro, foto de Sandra Porteous)

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