domingo, 20 de setembro de 2009

O bruxo do Cosme Velho

Quando a noite é íntima e profunda
como um conto,
o bruxo passeia sua melancolia
pelas ladeiras do Cosme Velho.
Os óculos se apóiam no nariz,
que se apóia no bigode branco,
que esconde o vestígio da pele escura
e o ríctus da epilepsia.
Por trás dos óculos, o bruxo
tem um olhar de dor e ironia
ao ver as antigas chácaras
estioladas pelo cimento armado,
ao ouvir o pedido de socorro do rio antigo
hoje riacho em estertor.
Na impossibilidade de colher
as últimas flores dos quintais do bairro
- restos arrancados dele mesmo -
o bruxo marca com o compasso
do seu coração e da bengala
a métrica de um soneto
para a mulher amada e a cidade
desaparecidas.
(in Diário Íntimo da Palavra, Nei Leandro de Castro. Foto de Sandra Porteous)

Nenhum comentário: