sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sophia e Florença (crônica Nei Leandro de Castro)

No início dos anos 80, fui a Roma pela primeira vez. Um amigo, muito comedido nos gastos, me alertou: uma corrida de táxi do aeroporto até o meu hotel irá custar uma fortuna. O aconselhável seria pegar um trem, que poderia me deixar no centro da cidade por um preço bem baixo. Ao chegar ao Aeroporto Fiumicino, pedi a Sandra para ficar tomando conta das malas enquanto eu ia descobrir de onde partia o trem da economia. E lá me fui, subindo e descendo escadas, entrando à direita e à esquerda, com o meu senso de direção que me faz me perder até num shopping. A certa altura, num corredor imenso, vejo um rosto que me pareceu conhecido vindo na minha direção. Quando a mulher se aproximou, tomei um susto: era Sophia Loren. Deixei que ela passasse, dei meia volta e saí caminhando quase ao seu lado. Na época, ela estava com uns 45 anos e em plena forma. Perguntei a mim mesmo: peço um autógrafo? Não, seria melhor eu me apresentar como o cinéfilo Moacy Cirne e dizer: "Querida Sophia, eu já vi todos os seus filmes, desde "Sou o capataz", de 1950. Amei "A milionária de Milão" (1951), "A embaixatriz do amor" (1953). "Duas mulheres" ('1961)"... e ia por aí, até esgotar a lista dos filmes que ela havia estrelado. Mas talvez ela ficasse aborrecida. Outra alternativa seria: "Bela Sophia dos meus amores, meu nome é Alex Nascimento, poeta, prosador, natalense, cheio do dinheiro e das melhores intenções. Quer passar uma noite comigo?" Enquanto eu pensava nos termos da abordagem, Sophia Loren caminhava e caminhava, até que num portão a nossa direita dois homens de preto se juntaram a ela e a levaram para um carro que estava a sua espera. E agora? Como voltar? Desisti do trem da economia e iniciei a viagem de volta, à procura de Sandra, mais perdido do que o presidente Lula em tiroteio. Já se passara quase uma hora desde que eu havia deixado Sandra com as malas, quando a reencontrei, muito aflita, pensando em colocar um aviso no serviço de achados e perdidos do aeroporto. Fiquei muito encabulado, inventei desculpas, não tive coragem de dizer que havia me perdido por causa de Sophia Loren. Esse segredo eu só revelei a ela 28 anos depois. Fui absolvido, por decurso de prazo.
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Na primeira metade dos anos 80 eu caí de amores por Florença. Além do fascínio da cidade, contei com o apoio de um guia absolutamente fora dos padrões. Graças a esse guia, o empresário e escritor Riccardo Zucconi, descobri os afrescos de Masaccio, na Igreja Santa Maria del Carmine. Masaccio, que morreu em 1428, aos 27 anos de idade, nos provoca até hoje um choque de beleza, engenho, arte. Esse meu guia me proporcionou muitas descobertas, sempre me levando a acreditar que eu mesmo estava fazendo essas descobertas. Foi assim com Pontormo e seus anjos com olhar de espanto diante do corpo de Cristo descendo da Cruz. Foi assim com os prisioneiros de Michalangelo, que me emocionam mais do que o belo David e seus cinco séculos de juventude. Mas Florença também seduz pela alma de suas ruas por onde Dante passeou com sua tristeza e genialidade. Da Ponte Vecchio, pode-se ver um pôr-do-sol que só perde para o do Potengi amado. A Piazza dela Signoria é um museu ao ar livre, cercado de bares. Não, não vou dizer mais. Você já foi a Florença? Então vá.

2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Sandra, que bela surpresa! O blogue ficou bastante elegante, em termos visuais. E o Nei terá, aqui, mais um espaço para a divulgação de seu trabalho. Que bom! Um beijo.

Orf disse...

Já estou espalhando mundo afora tão belo blog, ontem Nei informou-me o nome, mas errei no seu sobrenome, esqueci de um singelo 'e'.
Parabéns!

Oswaldo(Orf)