Estive na Shakespeare & Co., de Sylvia Beach, mulher que somava talento, amor aos livros e generosidade. James Joyce, sempre arrogante e exigindo favores de Sylvia Beach, estava lá, derreado numa poltrona ao fundo da livraria. Era um gênio posando de gênio. O autor de Ulisses, quando se permitia dialogar com alguém, encerrava o papo com a sentença: "Você precisa ajudar James Joyce." E muitos acabavam ajudando o irlandês genial, mas que os mecenas não se atrasassem nas remessas. Se a ajuda não chegava no dia combinado, Joyce escrevia ao caloteiro: "Eu ficaria muito feliz se o seu cheque mensal me chegasse pontualmente."
Vi Erneste Hemingway, várias vezes, no Le Coupole e nos bares de Montparnasse, mas guardei uma certa distância. O autor de Paris é uma Festa, alto, fortão, gostava de lutar boxe e qualquer lugar poderia se transformar em ringue para suas exibições. Hemingway e Scott Fitzgerald estavam sempre se estranhando. Fitzgerald era irônico, vencia o adversário nas tiradas de humor, mas não suportaria meio round de luta, mesmo se Hemingway lutasse com um só braço. Irônico também era o compositor Erik Satie, que vi perambulando pelas ruas do subúrbio de Arcueil - solitário, excêntrico, místico, maravilhoso. Na solidão do seu apartamento, pouco maior do que uma cabine telefônica e que nunca passou por uma limpeza. Satie construiu uma obra que ocupa lugar de destaque na história da música moderna.
William Wiser é um cicerone incansável. Só repousa um pouco quando se senta em volta de uma mesa do Le Coupole ou da Closerie de Lilas, e pede um bom vinho. Ele faz um brinde àqueles que tiveram seus caminhos, seus talentos, cortados pela loucura ou pela morte prematura, como Zelda Fitzgerald, o poeta Hart Crane, Isadora Duncan e o romancista Raymond Radiguet. Mas a viagem não é para cultuar os mortos, tanto que William se recusa a visitar o cemitério Père Lachaise, a maior concentração de mortos ilustres por centímetro quadrado. Ele prefere caminhar comigo pelo Jardim de Luxemburgo, luxo e luxúria de verdes. Ali bem perto, ele informa, era o Casino de Madame M. Carrilleau, responsável por um dos maiores espetáculos noturnos de Paris. Em certas noites, depois de muitas taças de champagne, madame M. Carrilleau subia no palco e dançava o can-can. Sem calcinha.
(Crônica de Nei Leandro de Castro in Rua da Estrela, foto de Sandra Porteous)
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