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Não dava para pegar morcego nos poucos carros que existiam em Natal. E os meninos pobres sonhavam com um passeio de carro ou um desfile de carnaval, pela Deodoro, a bordo de um daqueles luxos. Numa tarde, no meio de uma pelada, um carro atolou no areal que era a rua Apodi, à altura da rua da Estrela. O motorista propôs um acordo: se a turma desatolasse o carro, ele daria um passeio com alguns dos meninos. Foi uma algazarra. Em poucos minutos o carro estava livre e o dono, um homem rico, que depois faria carreira como político, arrancou com crianças nos estribos (sim, os carros tinham estribos) e no pára-choque traseiro. Todos saltaram, com exceção de Miguel Leandro Netto, o Miguelzinho, que logo depois se desequilibrou e caiu com a cabeça no chão. Miguelzinho desmaiou e o político seguiu sua carreira. Desde esse dia, decidi que jamais pegaria carona com político.
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No território descampado da infância, a caça aos pombos era uma aventura com menos riscos do que pegar morcego em bonde ou confiar em promessa de político. O seu Petit, que morava na Princesa Isabel com a Apodi, criava pombos que faziam revoadas sobre nossas cabeças. Um dia, um menino do interior disse que a carne de pombo era muito boa, bem melhor do que a das rolinhas abatidas pela turma sem piedade. Um pequeno exército se armou com baladeiras e foi declarada guerra às avezinhas de seu Petit. Foi um descalabro de tiros certeiros e a hipótese foi confirmada: a carne de pombo era uma delícia. Muitos anos depois, num restaurante de Lisboa, pedi um pombo com recheio de amêijoas. Comi de joelhos, ao pé de uma musa de olhos verdes chamada Esmeralda. Uma das melhores comidas da minha vida.
(Crônica de Nei Leandro de Castro)
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